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eauriz entrevista: Clarisse Gentilli

Quem compartilha um pouco da sua história com o eauriz hoje é Clarice Gentilli. Ela tem 37 anos, reside em São Paulo/SP, é psicóloga e tem grande interesse na área da psicologia da saúde. Clarice tem perda auditiva de grau moderado nos dois ouvidos e faz uso de aparelhos auditivos. Nesta entrevista Clarice nos conta sobre sua reabilitação auditiva e sobre como a psicologia pode oferecer apoio no processo de tratamento e busca de auxílio para perda de audição.

Confira a entrevista completa:

Qual a sua formação?

Sou Psicóloga, me formei em 2007 no Espírito Santo. Eu fiz especialização em Psicologia Hospitalar e da saúde e também em psico-oncologia. Atuei 6 anos no SUS. Estudo muito D. W. Winnicott que é um autor da Psicanálise conteporânea.

Eu sempre estive estudando coisas relacionadas à psicologia da saúde, de uma forma ou de outra. É o que mais me interessa.

Conte-nos há quanto tempo possui a perda auditiva e um pouco da sua trajetória no tratamento da surdez.

Os primeiros sinais perceptíveis foram na época da faculdade. Mas eram tão pequenos que a indicação era acompanhar com audiometrias regulares. A perda foi gradual, não foi algo de um dia para o outro, mas foi levando as pequenas mudanças no dia a dia, que nem me dava conta que já estavam relacionadas à perda auditiva.

No final de 2017 uma amiga médica, conversado comigo se incomodou que eu não a respondia, falei que não tinha ouvido. Já tinha feito algumas audiometrias… fiz outra e já era uma perda moderada, nos dois ouvidos. Aparelhos auditivos já era uma necessidade.

Levou mais de uma década de perda progressiva até o uso dos aparelhos.

A sua vivência da surdez influencia de alguma forma seus atendimentos?

Meus pacientes não veem meus aparelhos. Ninguém vê, eles são muito discretos. Se eu preferir esconder é totalmente possível.

Mas, se tenho gripe ou tem muito ruído externo isso atrapalha. Tento manter o consultório bem silencioso, para conforto acústico. Tanto meu conforto, quanto meus clientes. Tudo isso parece bobo, mas faz muita diferença para quem tem perda auditiva.

Eu optei por não esconder minha perda auditiva. Até porque se uma pilha acabar justo no meio de um atendimento? Vou fingir que está tudo bem? E fazer um esforço enorme? Eu opto por pedir licença, e trocar as pilhas na hora. Sem drama, sem autopiedade.

Mas quando eu trabalhava no SUS era muito difícil: eram muitas reuniões, pessoas que falavam ao mesmo tempo, ambiente muito ruidoso, estressante. Às vezes, alguém queria cochichar algo para mim, no meio de uma reunião… Quando eu ainda estava na fase de adaptação ao AASI, não conseguia fazer tudo isso ao mesmo tempo. Era frustrante. Eu ainda estava aprendendo essa realidade, aprendendo a lidar com a situação.

Hoje eu estou só no consultório, eventualmente alguma palestra. Nessas situações, do ponto de vista acústico, são situações mais simples, agradáveis. Então entendo tudo, sem desconforto.

Ninguém percebe a minha perda, a deficiência auditiva. Os aparelhos que uso são muito eficazes e no caso da minha perda auditiva são suficientes.

Para você, qual o papel do psicólogo no processo de reabilitação auditiva?
Uma coisa me chamou a atenção ao ir as consultas de retorno na fonoaudióloga: Ela comentou que nem todo mundo que usa aparelho usa o tempo que deveria. E eu uso muito mesmo.

Comecei a pesquisar sobre perda auditiva, tipos de perda, como se adaptar, como é a adaptação… Como profissional de saúde assumi essa responsabilidade para mim, eu tenho muito um perfil de pesquisa. Procurei de tudo, grupo na internet, blog, relatos de experiência, artigos científicos… A página Crônicas da Surdez é fantástica, ajudou muito também.

Quase tudo que eu achei sobre adaptação do uso de aparelho auditivo foram de pessoas surdas. Na psicologia, sobre perda auditiva, não achei nada. Só para quem se comunica por Libras. É uma realidade, uma cultura completamente diferente de quem precisa se adaptar aos AASI (sigla para aparelho de amplificação sonora individual, o mesmo que aparelho auditivo).

Foi quando eu comecei a me dar conta que as minhas referências de cuidado (psicológico) veio da psicologia hospitalar e da saúde, da psico-oncologia. Usei esse conhecimento sobre o luto da perda da saúde, sobre estratégias de enfrentamento à doença que adquiri antes para lidar melhor com essa realidade.

Tem o aspecto concreto: a reabilitação (auditiva) é um processo. Eu senti isso na pele. A gente tem expectativa muito alta, quer resolver de um dia para o outro e precisa administrar a ansiedade.

E também a Aceitar o luto: Um dia você se vê normal, no outro precisa lidar com fato que precisa usar um aparelho. É um luto. Não de perder uma pessoa, mas da saúde. Para enfrentar essa perda, é necessário reconhecer que se perdeu algo.

E por último, desenvolver habilidades de enfrentamento: chorar faz parte do luto. Mas além de chorar, sofrer, o que eu posso fazer com essa nova realidade? Será que preciso lidar com preconceito? Como lidar com as dificuldades que surgem durante a reabilitação? O que posso aproveitar do aparelho? Que ganhos eu tive depois de aceitar usar? São muitos aspectos que vão surgindo. Muito pessoais.

Eu nunca abandonei a minha psicoterapia, minha análise. Por ser psicóloga eu sempre fiz. Isso me ajudou bastante.

Em uma pequena frase, dê uma dica para pessoas que possuem perda auditiva.

Não desista da reabilitação. Faça as consultas periódicas, os retornos. Não espere mais de uma década para cuidar da perda auditiva (teria sido mais fácil a adaptação se tivesse começado antes).

E se tiver dificuldades emocionais com isso, busque algum psicólogo. Se o psicólogo não entender algum aspecto da surdez, explique. Explique para falar de frente, conte como é a dificuldade.

Mas sugiro que: 1º não desista. 2º procure outras pessoas com experiência de surdez, você vai ver que há muito em comum.

Contatos da Clarice:
Rede social sobre psicologia: @psicologaclaricegentilli
Rede social sobre perda auditiva e aparelhos auditivos: @escuta_aqui_
E-mail: clarice.gentilli@gmail.com
Whatssapp: (11) 964992623